sábado, 25 de outubro de 2014

A polêmica das patentes

Hoje discutiremos no blog um assunto que gera muitas polêmicas no meio das indústrias farmacêuticas a Lei de PatentesPara entender mais sobre o assunto, vamos primeiramente, definir da forma mais clara possível o que vem a ser uma patente.

A patente é um título de propriedade concedido pelo Estado ao inventor do produto ou do processo, por um tempo determinado. A patente assegura ao seu detentor o direito de exclusividade na exploração do produto.Para ser concedida, o autor do pedido da patente deve comprovar a novidade, a atividade inventiva (a obtenção do produto deve envolver processo criativo) e a aplicação industrial do produto. O período da patente de invenção vigora pelo prazo de 20 anos contados a partir da data do pedido.

Os recursos financeiros aplicados em investimentos no campo da pesquisa e desenvolvimento dos produtos farmacêuticos é uma das causas dos elevados preços de medicamentos.
 Para amenizar  os elevados gastos na produção e comercialização, as indústrias buscam patentear seus produtos, o que proporciona por um longo tempo a exploração exclusiva do processo de produção dos medicamentos.

A partir dessa prática a população de baixa renda acaba sendo afetada negativamente, pois o acesso aos medicamentos fica dificultado, principalmente quando se trata daquelas enfermidades que atingem grandes parcelas da população e que dependem de uma demanda alta de novos produtos, como é o caso da AIDS.

Outra situação criada pelas patentes é o quadro em que apenas poucas empresas que controlam o mercado de um setor específico, tornado o mercado um verdadeiro oligopólio. Sendo assim, aproveitando-se da concentração do mercado em determinado medicamento, as empresas acabam abusando  do poder que detêm  e exploram em excesso, para obter um retorno financeiro dos gastos na produção e comercialização dos medicamentos, em pequena escala de tempo, justificando-se com base nos investimentos de novos produtos mais eficazes.

Outras consequências vindas com as patentes são as estratégias na busca de descumprirem as condições legais identificadas pelos países em desenvolvimento. Como exemplo, podemos citar a perenização, processo pelo qual através de diferentes estratégias e negócios jurídicos, os detentores procuram prolongar mais que o permitido por lei, a detenção da patente. Mais conhecido por seu termo em inglês denominado Evergreening, trata-se de “um método por que os produtores da tecnologia mantêm seus produtos atualizados, com a intenção da proteção mantendo da patente por uns períodos de tempo mais longos do que seja normalmente permissível sob a lei”. (WordLingo)
Assim, a perenização em termos mais simples é um método desonesto utilizado pelos fabricantes para restringir ou impedir a concorrência dos fabricantes de genéricos equivalentes, que são mais baratos.

 Mais um aspecto polêmico em relação as  patentes a ser considerado é o que se chama de Exceção Bolar é processo um permitido pela legislação brasileira, pela Lei nº 9.279, em seu artigo 43. Denis Barbosa (3003, p.483) chama as exceções trazidas pelo art. 43 da Lei nº. 9.279 de “limites ao exercício dos direitos exclusivos”, esse processo permite que terceiros, que não tem titularidade da patente de certo medicamento, utilize de dados de um produto patenteado para realizar testes para obter o registro sanitário de um medicamento. Através desse mecanismo, não se torna obrigatório o aguardo e expiração da patente para iniciar as pesquisas e registros de outros medicamentos.  

Outra consequência das patentes de medicamentos é o que se denomina  importação paralela, que ocorre quando determinado mercado (A), compra um medicamento protegido por patente, no país (B), onde neste o produto é mais barato, que importa para o país (C), onde o mesmo produto é comercializado a um preço mais elevado. Porém, para que tudo isso ocorra, depende de regras de exaustão de direitos adotado por determinado país. O direito de importação paralela pode ser sustentado, a partir de outro dispositivo, da própria lei 9.279, em seus § 3º e 4§ do artigo 68, que trazem em seu contexto a licença compulsória.

A proposta da licença compulsória é a facilidade de seu uso “sem autorização do titular”. A licença compulsória é um instrumento pelo qual, o Estado de modo intervencionista, busca corrigir o exercício abusivo dos direitos de patentes, através da autorização a terceiros do seu uso, sem a prévia liberação de seu titular, buscando reparar a falha de mercado e à política pública que pretende servir, ou seja, ocorre quando o titular da patente exercer de forma abusiva os seus direitos ou pratica abuso do poder econômico o qual tem como penalidade a licença compulsória.

Para que haja um equilíbrio desses interesses, é necessária a intervenção do Estado como principal agente de transformação social, que deve oferecer a sua população uma melhor política de saúde que permita acesso aos medicamentos essenciais.

Para finalizar vamos fazer uma pequena explanação sobre o que consistem as patentes de segundo uso e uma de suas principais consequências, que afetam diretamente a população. Patentes de segundo uso são caracterizadas quando os pesquisadores descobrem que um determinado medicamento desenvolvido para um fim específico pode servir para tratamento de outra doença. A Lei 9.279/96 (Lei de Patentes) regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, documento também define que só pode ser considerada patente uma medicação nova, mas não há proibição especifica à patente de segundo uso.

Em entrevista para a revista eletrônica Acesso Brasil – Mercado e Políticas Públicas para medicamentos, o deputado federal, Dr. Rosinha, condenou as patente de segundo uso no Brasil, que encarece os preços dos medicamentos, provoca perdas ao Tesouro da União e gera encargos à saúde pública. Para o deputado a patente de segundo uso impede a produção de medicamentos genéricos, que por lei devem ser 30% mais baratos, ao passo que estende indevidamente o monopólio de uma patente anterior. Segundo ele, essa prática traz enormes prejuízos para a população e para os órgãos públicos federais, estaduais e municipais responsáveis pela distribuição gratuita desses remédios. Além disso, há prejuízo para as demais empresas que aguardavam o fim da vigência da patente para entrar no mercado de genéricos daquele medicamento. Isso tudo em detrimento da saúde pública e das leis de concorrência. Na opinião do deputado Dr. Rosinha, o melhor caminho para acabar com o abuso na concessão de patentes seja passar a responsabilizar os dirigentes e funcionários do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com seu patrimônio pessoal, pelos enormes prejuízos econômicos causados ao país. Quanto aos prejuízos à saúde pública, esses são incomensuráveis e irreparáveis.

FONTE: http://jus.com.br/artigos/12303/patenteabilidade-do-segundo-uso-medico
http://www.fenafar.org.br/portal/patentes/71-patentes/361-patentes-de-segundo-uso-causa-danos-a-saude-publica-e-ao-brasil.html
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11189

sábado, 18 de outubro de 2014

Os invisíveis para a indústria farmacêutica

Elas são pouco comentadas ao redor do mundo, apesar de serem conhecidas há muito tempo. Elas causam um enorme sofrimento, mas passam quase que por invisíveis, tanto por se encontrarem presentes nos ambientes pobres das áreas rurais e favelas urbanas, quanto por afetarem populações consideradas irrelevantes – afetando profundamente física, sócio e economicamente a vida de mais de um bilhão de pessoas e, clamando entre essas, mais de meio milhão todos os anos.
Por todas essas razões, elas foram classificadas como Doenças Tropicais Negligenciadas, ou apenas doenças negligenciadas. Existem 17 delas, com suas transmissões variando de bactérias, parasitas e infecções virais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 149 países e territórios onde elas são endêmicas. Algumas das doenças são transmitidas tanto por vetores (insetos), como a doença de Chagas, a malária, leishmaniose e a dengue, quanto de pessoa para pessoa, como tuberculose e hanseníase .E é exatamente pelo fato de que os impactos dessas doenças, que afetam tantas pessoas e, ainda assim continuam tão ignoradas, que dá essas doenças – e seus pacientes – o status de “negligenciadas”; termo originalmente proposto na década de 1970 por um programa da Fundação Rockefeller como “The great neglected diseases”. Segundo Lúcia Brum, médica brasileira e consultora em doenças emergentes pelos Médicos Sem Fronteiras (MSF) no escritório do Rio de Janeiro, a principal razão para isso é a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento de drogas que poderiam melhorar a situações dos afetados: “As companhias farmacêuticas trabalham segundo a lógica de mercado, não pelos critérios da necessidade da população.”
Lógica de mercado. Essa, de fato, parece competir contra as próprias doenças, pelo posto de grande “inimigo” das populações pobres que sofrem com as doenças negligenciadas. Uma amostra sobre a “lógica de mercado” das companhias farmacêuticas pôde ser observado recentemente com a fala do executivo chefe da Bayer, Marijn Dekkers: “Nós não desenvolvemos este produto para o mercado indiano, sejamos honestos. Nós desenvolvemos este produto para os pacientes do Ocidente que podem pagar por ele”. O produto no caso era o Nexavar, para o tratamento de câncer avançado do rim e do fígado. 
São consideradas “doenças negligenciadas” as enfermidades caracterizadas por incidirem (principalmente) em regiões tropicais, por serem mortais ou muito graves e afetarem um país ou região de maneira endêmica, e pelo fato das opções para o seu tratamento não existirem, serem inadequadas (podendo inclusive ser tóxicas) ou ultrapassadas e com pouca eficácia. Em geral estas enfermidades não recebem atenção dos grandes laboratórios farmacêuticos no que se refere à pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, porque estão presentes e vitimam as populações das regiões mais pobres do planeta e dessa maneira se tornam um grande problema na área da saúde pública desses lugares. 

O problema representado pelas doenças negligenciadas se tornou mais evidente nos últimos 40 anos, com o grande avanço e desenvolvimento tecnológico, o que gerou um grande conhecimento acumulado na área da medicina, mas deixou várias populações à margem de seus feitos, sofrendo com enfermidades que não recebem quase investimento por parte da indústria farmacêutica no tocante às questões de pesquisa e desenvolvimento de novas drogas. De acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto George para a Saúde Internacional com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates que analisou e quantificou os investimentos em inovação e pesquisas para o combate às doenças negligenciadas, usando dados referentes ao ano de 2007, apenas 9% dos recursos globais para pesquisa e desenvolvimento na área de doenças negligenciadas foram providos pela indústria farmacêutica privada, quase todo o investimento nessa área vem de instituições filantrópicas e sem fins lucrativos (21,5%), e de instituições governamentais e públicas (69,5%) que não conseguem, na maioria das vezes, manterem esses investimentos ao longo dos anos.



Ainda que exista um grande volume de pesquisa para a produção de medicamentos que combatam essas doenças negligenciadas, a grande maioria é feita em universidades e institutos públicos, e isso não garante a produção de novas drogas porque nos últimos anos o setor privado detêm os métodos mais eficientes e condição financeira para fazer a pesquisa clínica e os testes com as substâncias elencadas que darão origem ao novo medicamento.

Muitos autores que trabalham com o tema da saúde pública e o problema das doenças negligenciadas alegam que um fator que agrava essa situação é o regime de patentes (falaremos posteriormente sobre leis de patente) estabelecido internacionalmente desde o final do século XIX, e que atualmente é regulamentado (mundialmente) pelo Acordo TRIPS, que proporciona grandes vantagens econômicas para os laboratórios que produzem medicamentos protegidos por essa legislação, e estes preferem investir em medicamentos para doenças presentes nos países onde as pessoas têm condições de pagar por eles, pois para as populações de regiões e nações pobres a maioria das pessoas não tem condições de comprá-los e assim os possíveis medicamentos que fossem produzidos poderiam ser alvo das flexibilidades contidas no regime de patentes, como a licença compulsória, pelas quais um país consegue uma licença para produzir uma versão genérica do medicamento para distribuir à população sem condições próprias de comprá-lo.

Além desse aspecto, a regra de patentes influencia e dificulta a resolução de outros problemas presentes no âmbito da saúde pública e um exemplo disso é que desde 1999 a organização humanitária Médicos sem Fronteiras (MSF), reconhecida internacionalmente por levar assistência médica às regiões mais pobres do planeta, desenvolve uma iniciativa intitulada “Campanha de acesso a medicamentos essenciais”, surgida da necessidade encontrada por essa entidade no seu trabalho cotidiano em países pobres, sobretudo na África.

Com frequência a MSF encontra dificuldade em tratar de seus pacientes por causa dos altos custos dos remédios. Esta mesma realidade também prejudica diversos países pobres ou em desenvolvimento quando se trata de seus programas nacionais de distribuição de medicamentos que envolvem drogas protegidas por patentes e com alto preço, como os medicamentos usados no tratamento da AIDS, que apesar de não ser considerada uma doença negligenciada, representa um grande problema na área de saúde pública de muitos países pobres (principalmente os situados no continente africano), por vitimar grande parte da população (MSF, 2005).

Após a completa implementação do acordo TRIPS em janeiro de 2005 pela Índia e pelos poucos outros países em desenvolvimento que ainda não concediam patentes farmacêuticas, o acesso a novos medicamentos com preços acessíveis tornou-se ainda mais difícil, uma vez que todos os novos medicamentos estão sujeitos a 20 anos de proteção patentearia em todos os países, com exceção dos extremamente pobres e daqueles que não são membros da OMC (Organização Mundial do Comércio). Com isso, muitos países pobres ou em desenvolvimento veem agravados os seus problemas na área da saúde, devido à falta de fármacos específicos para as doenças negligenciadas e com a dificuldade de acesso aos medicamentos que tratam das doenças em geral. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um terço da população mundial não tem acesso regular a medicamentos essenciais, sendo que em partes da África e da Índia, 50% da população carece de acesso aos medicamentos essenciais mais básicos, que são aqueles utilizados no tratamento de enfermidades que atingem o mundo em geral, mas que se tornam inacessíveis para sua sociedade, devido ao seu preço porque a população não tem possibilidade financeira própria de adquiri-los e os governos não têm condição financeira de manter um programa público de compra e distribuição.

Considerando esse cenário, foi criada a iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês). Quando a MSF foi laureada com o Prêmio Nobel da Paz, em 1999, ela destinou os recursos recebidos para o desenvolvimento de um modelo alternativo de P&D de novos medicamentos para tratar as doenças negligenciadas, o DNDi.

Arquitetada para reduzir os custos nesse desenvolvimento e garantir o acesso aos pacientes, o DNDi funciona como uma coalizão de sete instituições de diferentes países:  a Fundação Oswaldo Cruz do Brasil, o Conselho Indiano de Pesquisa Médica da Índia, o Instituto de Pesquisas Médicas do Quênia, o Ministério da Saúde da Malásia, Instituto Pasteur da França e a organização internacional dedicada à pesquisa – o Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR), além da própria MSF. Ela está sediada em Genebra, no entanto, a organização também está presente com escritórios regionais em quatro países que podem ser considerados como estando na linha de frente no combate às doenças negligenciadas: Quênia, Malásia, Índia e Brasil. Por sinal, estes dois últimos são aqueles que têm mais a contribuir com a melhora no quadro.

O principal objetivo da organização é fornecer de seis a oito novos tratamentos que atendam às necessidades dos pacientes. Como objetivo secundário, a DNDi se esforça para utilizar e fortalecer a capacidade de pesquisa existente nos países endêmicos, bem como conscientizar a opinião pública e despertar maior responsabilidade dos governos sobre a necessidade de desenvolver novos tratamentos para as doenças negligenciadas.

Para finalizar, é importante ressaltar que a negligência em relação a estas doenças é estimulada pela lógica do mercado que direciona as estratégias de investimentos destas indústrias farmacêuticas. Como consequência, as populações situadas nas regiões mais pobres do planeta não possuem meios para combater os males que afligem sua saúde, por não representarem um mercado atraente (por causa do seu baixo poder aquisitivo) para as perspectivas de lucro desse setor.

FONTE: http://portal.fclar.unesp.br/possoc/teses/Jose_Flavio_Castro.pdf
              http://www.finep.gov.br/imprensa/revista/edicao6/inovacao_em_pauta_6_doencas_negl.pdf
              

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Verdades incnovenientes sobre as indústrias farmacêuticas



Como qualquer outro setor da economia, a indústria farmacêutica visa o lucro. Nada de errado com isso, e tem dado certo: em 2008, ela movimentou US$ 725 bilhões - o Brasil faturou US$ 12 bilhões. Só a fabricação da aspirina movimenta US$ 700 bilhões por ano. Seu princípio ativo, o ácido acetilsalicílico, é considerado um dos produtos mais bem-sucedidos da história do capitalismo. 

Para que isso seja possível, é preciso saber vender. "A indústria farmacêutica é tudo, menos uma instituição filantrópica", diz Fernando Italiani, autor do livro Marketing Farmacêutico. Fernando já foi gerente de marketing de laboratórios e hoje dá cursos de vendas e planejamento estratégico para funcionários de laboratórios e farmácias. 

Um dos tópicos-chave de suas aulas é a fidelização dos médicos. Para Fernando, aquela tática clássica de dar brindes, viagens e inscrições em congressos já está ultrapassada. "Os médicos estão mal-acostumados. Isso já não diferencia nenhum laboratório", afirma. Fernando propõe investir em educação. "Muitos médicos não têm formação em gestão nem em finanças. Fornecer esse conhecimento é ouro. Quando eu percebi que uma viagem para a Costa do Sauípe não tinha dado certo, fiz eventos focando o conhecimento técnico. Gastei 1/3 do valor e tive o dobro do retorno." É o que Fernando chama de marketing "sustentável": mais difícil de ser copiado e com resultado garantido e prolongado. 

Os produtos da indústria farmacêutica são especialmente difíceis e caros de ser fabricados. Até um remédio chegar à farmácia, são consumidos cerca de 15 anos com pesquisa e um investimento quase 3 vezes maior que a média da indústria, segundo estudo publicado na revista Nature em 2005. É o que se chama de negócio de alto risco: de 10 mil compostos que entram para ser pesquisados, apenas um é comercializado. 

Para não perder mercado, os grandes fabricantes de remédios passaram a produzir também os seus genéricos. Assim, saem na frente dos concorrentes e economizam na hora de promover seu produto. Lembra do homem da maleta? Ele aproveita a visita ao médico para falar também dos genéricos da sua empresa. "Nós fazemos um trabalho de fortalecimento da marca que não foca no medicamento especificamente, mas na instituição. Investimos na exposição da marca, para que ela fique na cabeça do médico", diz Telma Salles, diretora de relações externas do laboratório EMS. 

Para ter uma ideia, de 30 a 40% de tudo o que se ganha com a venda de remédios é reinvestido em ações de marketing, a maioria destinada à classe médica. Além de conquistar a simpatia dos doutores, os representantes procuram identificar os formadores de opinião e convidá-los para dar palestras aos seus colegas falando sobre a eficácia de um novo produto. 

Em 2007, o jornal The New York Times publicou um depoimento do médico Daniel Carlat contando sua experiência como garoto-propaganda de um laboratório. No ano de 2001, Carlat, psiquiatra e professor da Universidade de Boston, recebeu uma proposta da Wyeth, uma das 10 maiores indústrias farmacêuticas do mundo: discutir com médicos de sua cidade o efeito do Effexor XR, um novo antidepressivo da companhia. Ele ganharia US$ 750 por apresentação. Carlat já havia prescrito o remédio para alguns pacientes e sua avaliação era de que ele funcionava igual a outros da mesma categoria.

Decidiu aceitar a proposta e viajou - tudo pago - para um encontro de treinamento em Nova York. No hotel, recebeu um folder do encontro, convites para vários jantares e dois ingressos para um musical da Broadway. Ao voltar para Boston, apresentou o remédio durante um ano para médicos em clínicas e hospitais· 

Durante esse período, Carlat aumentou em mais de 20% sua renda anual. Sentia-se muito à vontade para defender o Effexor, até que teve acesso a dados de pesquisas que mostravam uma incidência comparativamente alta de hipertensão em pessoas tratadas com a droga. Foi quando ele parou para pensar: quantos pacientes haviam sido prejudicados por sua causa?



Os conselhos de medicina acreditam que esse drama de consciência pode ser evitado se o médico manifestar o conflito de interesse antes de cada apresentação. Em outras palavras, avisar à plateia se ele ou o estudo é financiado por algum laboratório. "Isso é fundamental para uma interpretação crítica de qualquer estudo", afirma Reynaldo Ayer, da Comissão de Ética do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Só não está determinado o que fazer em relação ao paciente. Você já foi informado por algum médico de que ele recebe para divulgar entre colegas o remédio que está receitando para você? Ou que recebeu uma viagem de presente do fabricante? E, se fosse, continuaria acreditando nele?

Conflitos desse tipo estão presentes também entre pesquisadores, que podem ganhar centenas de milhares de dólares por ano para conduzir estudos e prestar consultoria para a indústria. Revistas e jornais científicos procuram garantir sua credibilidade acrescentando no início do estudo o nome do laboratório patrocinador, mas entendem que não dá para prescindir da grana dos laboratórios em um processo de pesquisa. "Eles são uma fonte de recursos indispensável", diz Florentino Cardoso, da Associação Médica Brasileira. Até aí, tudo bem. Só não vale omitir dados importantes, como os efeitos colaterais de um princípio ativo, para favorecer o lançamento de um produto. Foi o que aconteceu no caso do antidepressivo Paxil. Em 2004, a Glaxo Smith Kline foi processada nos EUA por não publicar informações que demonstravam que o remédio aumentava a ocorrência de pensamentos suicidas em pacientes com menos de 18 anos. Os fabricantes sabiam disso desde 1998. 

Tanto esforço destinado aos médicos tem uma explicação muito simples: a maior parte dos remédios não pode ser anunciada diretamente a você. No Brasil, a propaganda de medicamentos possui uma legislação mais rigorosa que a de outros produtos. Só os medicamentos de venda livre, como analgésicos e ácidos para indigestão, podem ser comercializados sem prescrição médica e anunciados ao consumidor. Esses remédios são responsáveis por cerca de 30% do faturamento da indústria no Brasil. Os outros 70% vêm dos "medicamentos éticos", aqueles com a advertência "Venda sob prescrição médica" e que só podem ser anunciados para os médicos. 

Para o público leigo, os laboratórios usavam estratégias menos diretas, como investir na campanha sobre uma determinada doença para aumentar a demanda por medicamentos (campanhas sobre impotência, depressão, obesidade ou diabete), mas esse tipo de propaganda foi proibida pela Anvisa no ano passado. Resta usar as técnicas de marketing para tornar a imagem de um remédio mais atraente. Como aconteceu com o Prozac nos anos 80. A pílula trazia um novo princípio ativo para o combate da depressão, é verdade. Mas essa não é a única explicação do seu sucesso: depois de contratar uma agência de imagem, o laboratório Eli Lilly decidiu dar um nome de fantasia ao produto - algo sonoro, que caísse bem em qualquer língua. Parece bobagem, mas até então a maior parte dos medicamentos tinha nomes derivados dos princípios ativos, difíceis de memorizar e associados a efeitos colaterais. A chegada de Prozac transformou o batizado de um remédio em um estudo complexo: Viagra, por exemplo, é composto de "Vi", de vitalidade, e "agara", de Niagara falls, que remete a força descomunal, volume de águas incontrolável e ininterrupto, características desejadas por pacientes com disfunção erétil. 

Some ao marketing o aumento do acesso ao sistema de saúde e o resultado é claro: a gente nunca tomou tanto remédio. E isso é bom. "As vacinas e os medicamentos são os principais responsáveis pelo prolongamento da nossa vida", diz Anthony Wong. Mas também há outra notícia: a gente nunca tomou tanto remédio sem precisar. A OMS estima que metade do consumo mundial é feito de forma irracional, ou seja, em dose, tempo ou custo maior que o necessário. Na lista das possíveis causas estão incluídas políticas de preços e atividades promocionais irregulares e falta de informação e educação sobre o uso correto de medicamentos. 

É injusto, porém, colocar a culpa só nos laboratórios. "O aumento no consumo de medicamentos é um problema sociológico. Hoje, as pessoas buscam soluções imediatas para tudo, tendo como objetivo a felicidade", diz Wong. "E não há nada mais imediato do que um remédio." 

Misturando tantos fatores de risco, uma dor de cabeça vira uma enxaqueca das bravas, bem difícil de tratar. Mas algumas iniciativas têm sido tomadas para melhorar esse prognóstico. Uma delas é a participação ativa das empresas na revisão do código que regulamenta a publicidade do setor, ao lado da Anvisa e dos Conselhos de Medicina e de Farmácia. Outra é o aumento do número de laboratórios envolvidos em ações sustentáveis e em campanhas preventivas. É um comprimidinho da receita. Pra engolir os outros é preciso uma dose de prudência e bom senso. Ou você pode se intoxicar.

-338 multas foram aplicadas pela Anvisa em 2007 como punição a propagandas ilegais de medicamentos.

-0,06 do montante investido em marketing pelas indústrias farmacêuticas em 2006 seria suficiente para pagar a punição.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Indústrias Farmacêuticas: Vilãs ou Heroínas. Um breve Histórico


Afinal de contas, o que são e que papel realmente desempenham as indústrias farmacêuticas em nossos dias? Desde a segunda metade do século 20, essa pergunta vem sendo feita insistentemente por jornalistas, cientistas, religiosos, estadistas e até mesmo pelos mais humildes estratos sociais de todas as nações do mundo.
Os adeptos do conspiracionismo enxergam na indústria farmacêutica um Leviatã do universo empresarial contemporâneo; os ingênuos, por outro lado, acreditam piamente na tese de que as conquistas da indústria farmacêutica são apenas fruto da simples volição, enquanto os radicais querem negar a essas indústrias o direito legítimo de escolher livremente os temas de pesquisa sobre os quais priorizarão o uso de sua energia, de seu tempo e do seu dinheiro. As opiniões a respeito da indústria farmacêutica são seguramente muito variadas e é julgado relevante elencar algumas no decorrer das publicações feitas aqui.
As indústrias farmacêuticas vieram ao mundo na esteira da 2ª Revolução Industrial, num momento em que a Europa e os Estados Unidos desfrutavam de uma relativa estabilidade social e política que, com o passar do tempo, inevitavelmente induziria um aumento de suas populações. No entanto, uma vez que a expectativa de duração da vida humana ainda era muito baixa (segundo o próprio professor Hobsbawm, aquela foi uma época em que as pessoas raramente conseguiam vencer a barreira dos 40 anos de idade, aquele crescimento populacional seria devido sobretudo a um aumento da taxa de natalidade. Portanto, uma questão urgentíssima se impunha pela primeira vez em séculos: nasceriam mais pessoas do que o usual; porém não havia, até aquela época, meios suficientes para prolongar a duração da vida humana; vivendo mais, teoricamente o ser humano seria capaz de produzir mais riqueza econômica. Por outro lado, sem que o ser humano encontrasse um meio de adiar a própria morte, os níveis de crescimento econômico tenderiam a permanecer estáveis e, havendo (pelo menos num momento inicial) mais gente para dividir uma quantidade constante de riqueza, em pouco tempo aquele aumento da natalidade tenderia novamente ao desaparecimento. Em poucas palavras: caso quisessem aproveitar o momento favorável para criar reais condições de crescimento e de expansão de seus domínios políticos, econômicos e territoriais, os países de então não mais poderiam continuar tolerando e convivendo com a baixa expectativa de vida de suas populações. Era necessário, de alguma maneira, prolongar a existência humana ao máximo possível.
Algo precisava ser feito e, àquela altura, a Química já era uma ciência bastante evoluída e que não cessava de apresentar avanços; o grande problema, entretanto, é que ainda não havia meios para se tornarem públicos os benefícios decorrentes daqueles avanços. Via de regra, as descobertas dos laboratórios ficavam confinadas apenas a quatro paredes, beneficiando apenas a vida de muito poucas pessoas - na verdade, a maioria dos medicamentos da época ainda era caseira e de fabricação artesanal, feita apenas para contribuir com o tratamento das enfermidades de familiares.
Essa situação aflitiva permaneceu até 13 de março de 1877, quando a John Wyeth & Brother finalmente registrou, nos Estados Unidos, a patente da criação do comprimido (curiosamente, a invenção da Wyeth só foi possível graças a uma outra invenção, feita em 1843 pelo artista plástico inglês William Brockedon: tratava-se de uma pequena máquina manual, cuja finalidade era apenas fabricar minas de grafite de melhor qualidade para os lápis de desenho do próprio Brockedon. Ao tomar conhecimento da existência dessa máquina, um funcionário da John Wyeth & Brother imediatamente imaginou utilizá-la para dar aos remédios a forma de pequenos tabletes chamados “compressed tablets”, hoje conhecidos por nós como “comprimidos”).

Figura 1. A máquina de Brockedon.

Oficialmente, a entrada em cena da máquina de Brockedon representou um grande divisor de águas e o marco inaugural da indústria farmacêutica mundial; foi, de fato, o ponto de partida para que os medicamentos pudessem ser produzidos em grande escala e amplamente distribuídos às pessoas. Pelo menos em princípio, foram resolvidos aqueles problemas mais imediatos relativos aos cuidados com a saúde e à necessidade de elevação da expectativa de vida da população. Depois de toda a evolução experimentada pela indústria farmacêutica durante o transcorrer do breve século 20, eis que chegamos ao século 21 diante de um cenário mundial caracterizado muito nitidamente pela existência de dois grupos principais de companhias fabricantes de remédios: os grandes laboratórios (todos originários do século 19 e detentores da grande maioria das patentes dos fármacos inovadores) e as chamadas “empresas emergentes”, especializadas na fabricação de fármacos com patente vencida (popularmente chamados de “genéricos”).

Alguns assuntos citados neste post serão explorados nas próximas publicações, o primeiro ponto pacífico é partir do pressuposto que talvez as opiniões aqui expostas não consigam traduzir com exatidão e justiça o que realmente desejam e almejam as indústrias farmacêuticas, no entanto a intenção é exatamente fomentar discussão sobre o assunto a partir das interrogações que ele apresenta.

Fonte: http://periodicos.uniban.br/index.php?journal=RPINF&page=article&op=viewFile&path%5B%5D=68&path%5B%5D=pdf4