sábado, 6 de dezembro de 2014

"Currais" lucrativos


A indústria multinacional farmacêutica gasta quase 40 bilhões de dólares por ano para desenvolver novos medicamentos. Para isso, mobiliza uma crescente parcela dos cientistas mais experientes do mundo e a mais sofisticada tecnologia médica. Com tal investimento maciço poderia se esperar um aumento do número de medicamentos de impacto dirigidos para os flagelados da humanidade. A indústria farmacêutica não desprezou as partes do mundo assoladas por doenças como a malária. Pelo contrário: nunca antes os fabricantes de remédios deram tanta atenção aos pobres do mundo. Os grandes laboratórios estão realizando milhares de ensaios clínicos nos países em desenvolvimento — Bulgária, Zâmbia, Brasil e Índia, por exemplo. 

Recentemente, a Pfizer, a Glaxosmithline (GSK) e a Astrazeneca instalaram centros globais de testes clínicos na Índia. Ano passado, a GSK realizou mais da metade dos seus testes de drogas novas fora dos mercados ocidentais, escolhendo em particular países de “baixo custo” para os testes “deslocalizados”. As empresas não estão lá para curar os males dos doentes pobres que fazem fila em suas reluzentes clínicas de pesquisa. Os fabricantes de drogas foram aos países em desenvolvimento para fazer experimentos com as multidões de doentes miseráveis. Utilizam-se deles para produzir os remédios destinados às pessoas cada vez mais saudáveis em outros lugares, em particular ocidentais ricos que sofrem os desgastes da idade, como doenças cardíacas, artrite, hipertensão e osteoporose. Essa tendência — desenvolver drogas para os ricos globais testando-as nos pobres globais — além de não ser um investimento de recursos científicos preciosos, ameaça os direitos humanos e a saúde pública global.

Os Estados Unidos são o maior mercado de remédios do mundo. O norte-americano médio leva para casa dez receitas médicas por ano. Desde 2000, a indústria farmacêutica cresceu 15% por ano, triplicando o lançamento de drogas experimentais entre 1970 e 1990.


O problema é que quanto mais apreciam remédios, menos pessoas estão dispostas a se inscrever nos testes clínicos exigidos para desenvolver os novos. Cada droga nova exige cerca de quatro mil voluntários para os testes clínicos, o que por sua vez significa que 100 mil pessoas têm de ser atraídas para os ensaios iniciais. Por que tantos? Porque não é fácil desenvolver novos remédios para doenças do coração, artrite, hipertensão e outras condições crônicas não contagiosas.

Apesar do máximo esforço da indústria, a maioria das novas drogas destinadas a tratar dessas doenças tem eficácia apenas marginal. Algumas são similares a uma pílula de placebo. “Você sempre tem que batalhar para encontrar uma diferença” entre os pacientes tratados e não-tratados, diz um pesquisador clínico veterano.

A necessidade da indústria encontrar voluntários para experimentos é imensa. Entretanto, pouco mais de um em vinte norte-americanos estão dispostos a participar de testes clínicos. A razão é óbvia. Por que se expor a compostos experimentais, não testados, quando o leque de alternativas comprovadas está ao alcance das mãos? O único problema com os testes de placebo é que exigem um número suficiente de pessoas que queiram participar de um experimento em que podem não receber tratamento algum – uma tarefa cada vez mais impossível, especialmente no Ocidente mergulhado em remédios.

Atualmente, além de malária e tuberculose, as pessoas dos países em desenvolvimento sofrem das doenças nas quais os fabricantes de drogas dos mercados ocidentais estão mais interessados. De acordo com a OMS, 80% das mortes por doenças crônicas não contagiosas, como males cardíacos e diabetes, agora ocorrem nos países em desenvolvimento. Há mais diabetes tipo II na Índia do que em qualquer outro lugar do mundo. Em alguns lugares da África, uma em cada cinco pessoas sofre de diabetes e 20 milhões de africanos padecem de hipertensão. 

De acordo com a OMS, as implicações desse fenômeno para a saúde pública “são inquietantes e já estão aparecendo”. Por serem pobres e sofrerem incômodos de saúde mais prementes, poucos pacientes são tratados. Inevitavelmente, sofrem mais complicações do que os pacientes bem tratados do Ocidente. Isto oferece uma oportunidade para os testes industriais. Para provar que um remédio para o coração funciona, por exemplo, é preciso mostrar que quem não toma esse remédio sofre mais “eventos” — sejam ataques cardíacos ou mortes — do que quem toma o remédio. Os testes nos países pobres podem completar-se muito mais depressa. Como observou um executivo de uma companhia de testes clínicos, durante uma conferência sobre a adequação dos países pobres para testes clínicos: “se não houver eventos suficientes, você nunca vai terminar seu teste”.


Outro executivo de companhia de testes clínicos afirmou: “A África do Sul é um país ótimo [para AIDS]”, por causa do grande número de pacientes infectados pelo HIV ainda não tratados com drogas anti-virais. Com freqüência os fabricantes de drogas ficam frustrados em suas tentativas de provar que as novas drogas funcionam nos corpos impregnados de medicamentos dos ocidentais testados.

A supervisão européia e norte-americana destes testes é mínima. Quando um fabricante de drogas decide lançar uma experiência clínica nos Estados Unidos ou na Europa, primeiro precisa alertar as autoridades reguladoras e enviar todos os dados pré-clínicos – dados de laboratório e de testes com animais, junto com planos detalhados de como planeja usar a droga experimentalmente em seres humanos. Dados de testes no exterior são aceitos pelas autoridades reguladoras norte-americanas e européias, mas nenhuma exige que os fabricantes de drogas alerte-as antes de iniciarem os experimentos no exterior. 

Sem descrição em parte alguma, os testes que fracassam nos países pobres simplesmente desaparecem sem deixar traços.


http://www.oarquivo.com.br/oarquivo-verdades-incovenientes/2378-a-face-oculta-da-industria-farmaceutica-parte-1

6 comentários:

  1. É estarrecedor perceber que muitas pessoas desfavorecidas estão servindo como "ratos de laboratório" para as grandes indústrias farmacêuticas. Sem o acesso a educação adequada, muitos deles não têm o senso crítico que permita analisar os riscos aos quais estão sendo submetidos. Quanto à essa questão do aspecto ético das drogas experimentais, vale acrescentar o depoimento de Barbara Knust, epidemiologista do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos: "Os dilemas éticos fazem com que essa situação seja uma "faca de dois gumes". Por um lado, temos um medicamento que ainda não foi realmente testado em seres humanos. E se aplicarmos essa droga em uma população desfavorecida como a da África, poderão dizer que estamos utilizando essas pessoas para testar os medicamentos."
    Fonte: http://www.dw.de/drogas-experimentais-contra-o-ebola-podem-ser-faca-de-dois-gumes-aponta-especialista/a-17906123

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  2. Atualmente um dos maiores desafios para os gestores de saúde é constituído pelas ações judiciais que solicitam produtos, tratamentos e/ou procedimentos de saúde, muitas vezes não disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso gera individualização da
    demanda em detrimento do planejamento e da gestão dos problemas de saúde em sua dimensão coletiva e levam à desorganização do serviço. A garantia de acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde é tão importante quanto o atendimento integral.
    Porém, essa garantia depende, entre outros fatores, de aplicação adequada dos recursos às políticas de saúde. O crescimento exponencial dessas ações judiciais, observado atualmente, interfere na continuidade das políticas de saúde pública, impedindo a alocação racional dos recursos. Os estados têm verbas limitadas e a sua má utilização prejudica a população como todo; assim, cabe ao Poder Executivo a definição das prioridades considerando as necessidades de saúde da população. Muitas liminares têm como objetivo atender à prescrição de produtos de alto custo, muitos deles recém lançados em outros países e ainda não disponíveis no Brasil. O lobby da indústria e do comércio de produtos farmacêuticos com associações de portadores de doenças crônicas e o intenso trabalho de propaganda com os médicos fazem com que tanto os usuários quanto os prescritores passem a considerar imprescindível o uso de medicamentos novos. Em regra, esses produtos são de altíssimo custo, mas nem sempre são mais eficazes que outros de custo inferior, indicados para a mesma doença.
    Fonte: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v44n3/05.pdf

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  3. Muito interessante falar sobre esse tema, pois muitas pessoas nem tomam conhecimento dessa situação que é usar cobaias humanas para teste de laboratório. Usam-se pessoas em pesquisa médica porque nossa tecnologia não é boa o bastante para dispensá-las e talvez nunca venha a ser. Todos os testes existentes, em laboratório, em animais, em simulações por computador , são incapazes de dizer com precisão como agirá uma droga no corpo do Homo sapiens. Só se sabe com certeza se um remédio funciona e quais seus efeitos colaterais depois de testá-lo em centenas ou milhares de seres humanos. O problema é como garantir a saúde dessas pessoas. E o principal é que as empresas fazem esses teste em pessoas pobres, da Africa por exemplo, e dão em troca dinheiro. Essas pessoas são tratadas como mercadorias, e eles usam elas justamente por saber que são pessoas de baixa renda e que vão 'aceitar' se submeterem a esses experimentos por dinheiro! Muito bom saber a verdadeira realidade dentro das industrias farmacêuticas! Parabéns pelo blog!

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  4. Como foi acompanhado durante as postagens deste Blog tão interessante, a indústria farmacêutica visa antes de tudo o dinheiro e para isso, utilizam drogas “me too”, acabam vendendo medicamentos que causam danos ao seres humanos, negligenciam doenças que matam milhões somente porque as mesmas não condizem com seus interesses, e pior: Utilizam-se de seres humanos como cobaias de seus produtos. Todos os anos, laboratórios farmacêuticos investem cerca de US$ 40 bilhões em pesquisas de novos remédios para um sem-número de doenças. Se, por um lado, lucram alto quando descobrem um remédio novo eficaz, por outro dão esperanças a milhões de pacientes que buscam a cura para seus males ou uma maneira menos dolorosa ou debilitante de conviver com sintomas crônicos. Num país que pesquisa pouco, os estudos médicos de novos remédios são bem-vindos pela comunidade científica e autoridades governamentais brasileiras, mas, à medida que sua importância como ferramenta de inovação cresce, aumentam as críticas de médicos que trabalham com ética médica sobre o sistema de controle e fiscalização de testes de novas drogas com seres humanos no Brasil. E a razão é simples: o governo brasileiro, através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), simplesmente não fiscaliza de forma independente e sistemática os cerca de 3.000 testes de novos tratamentos, equipamentos e remédios que acontecem hoje no país envolvendo, segundo estimativas de profissionais de saúde, cerca de 250 mil brasileiros. Para que esses testes ocorram, o projeto precisa ser aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Ministério da Saúde. E só. Daí em diante, e até o pedido de registro da nova droga ou tratamento, nada é fiscalizado, a menos que ocorra um "efeito adverso" - problemas que vão de uma reação colateral imprevista à morte pura e simples. O registro do novo medicamento é dado pela Anvisa com base nas informações prestadas pelos próprios laboratórios farmacêuticos, por CROs (empresas terceirizadas contratadas pelos laboratórios para coordenar os testes) ou pelas instituições de pesquisa através dos seus Comitês de Ética (são cerca de 600 no país). No caso de instituições de pesquisa brasileiras mais conhecidas, como, por exemplo, o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo ou a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio, os testes são feitos e controlados por conselhos de ética profissionais e realizados sob as regras internacionais que regulam o assunto, do Código de Nuremberg à Declaração de Helsinqui da Associação Médica Mundial. O problema são os testes realizados fora desses centros, especialmente aqueles que escolhem comunidades mais pobres e menos esclarecidas como cobaias ou os realizados por médicos em seus consultórios, onde acontecem grandes falhas que incluem não avisar os pacientes de que eles estão sendo submetidos a testes de novas drogas, não informar sobre riscos de efeitos colaterais ou realizar testes com um número de pacientes pouco significativo. Desta forma, faz-se necessária uma maior intervenção do governo neste problema que afeta tão profundamente a saúde mundial, que acaba tendo os mais diversos sintomas devido às terríveis modificações bioquímicas que eles provocam, e acabam chegando à morte, por culpa do descaso e desprezo das indústrias farmacêuticas, com a vida humana. É necessário que o poder que as indústrias farmacêuticas possuem, seja refreado, e principalmente, que as pessoas tenham seus direitos garantidos, de forma a garantir uma vida melhor e mais saudável.

    Referências:
    http://oglobo.globo.com/politica/governo-esta-de-olho-em-novos-remedios-mas-nao-fiscaliza-250-mil-cobaias-humanas-2873402#ixzz3LeKzIydq

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  5. A indústria farmacêutica emprega várias táticas de convencimento para que os médicos prescrevam seus produtos. Através dos representantes de laboratórios e propaganda de medicamentos, a indústria enaltece os aspectos positivos de seus produtos, minimizando suas limitações e efeitos colaterais, distribuem amostras grátis, material educativo, brindes e outras vantagens, como passagens aéreas e inscrições gratuitas para a participação em congressos. Essa estratégia tem influenciado significativamente a prescrição excessiva de medicamentos em detrimento de outras medidas que promovem a mudança de hábitos, os quais podem ser bem mais significativos para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes do que a simples utilização de medicamentos.

    Fonte :

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  6. Jean-Philippe Chippaux, diretor de pesquisa do Institut de Recherche pour le Développement, em artigo para o jornal francês Le Monde Diplomatique, explica o interesse em realizar testes no terceiro mundo e na África em especial: "Na África, as possíveis regulamentações médicas e farmacêuticas datam da época colonial e parecem obsoletas e inadequadas. Os riscos de falta de ética são ainda maiores porque os laboratórios fazem cada vez mais seus testes no continente negro. Na verdade, ali, seu custo é até cinco vezes menor do que nos países desenvolvidos”. Ele afirma que as condições epidemiológicas na África se revelam constantemente mais propícias à realização de testes: freqüência elevada de doenças, sobretudo infecciosas, e existência de sintomas não atenuados por tratamentos reiterados e intensivos. “O caráter dócil dos pacientes, em grande miséria, dada à pobreza das estruturas sanitárias locais, facilita as operações", conclui.
    FONTE
    http://www.drashirleydecampos.com.br/noticias/16084

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