quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Indústrias Farmacêuticas: Vilãs ou Heroínas. Um breve Histórico


Afinal de contas, o que são e que papel realmente desempenham as indústrias farmacêuticas em nossos dias? Desde a segunda metade do século 20, essa pergunta vem sendo feita insistentemente por jornalistas, cientistas, religiosos, estadistas e até mesmo pelos mais humildes estratos sociais de todas as nações do mundo.
Os adeptos do conspiracionismo enxergam na indústria farmacêutica um Leviatã do universo empresarial contemporâneo; os ingênuos, por outro lado, acreditam piamente na tese de que as conquistas da indústria farmacêutica são apenas fruto da simples volição, enquanto os radicais querem negar a essas indústrias o direito legítimo de escolher livremente os temas de pesquisa sobre os quais priorizarão o uso de sua energia, de seu tempo e do seu dinheiro. As opiniões a respeito da indústria farmacêutica são seguramente muito variadas e é julgado relevante elencar algumas no decorrer das publicações feitas aqui.
As indústrias farmacêuticas vieram ao mundo na esteira da 2ª Revolução Industrial, num momento em que a Europa e os Estados Unidos desfrutavam de uma relativa estabilidade social e política que, com o passar do tempo, inevitavelmente induziria um aumento de suas populações. No entanto, uma vez que a expectativa de duração da vida humana ainda era muito baixa (segundo o próprio professor Hobsbawm, aquela foi uma época em que as pessoas raramente conseguiam vencer a barreira dos 40 anos de idade, aquele crescimento populacional seria devido sobretudo a um aumento da taxa de natalidade. Portanto, uma questão urgentíssima se impunha pela primeira vez em séculos: nasceriam mais pessoas do que o usual; porém não havia, até aquela época, meios suficientes para prolongar a duração da vida humana; vivendo mais, teoricamente o ser humano seria capaz de produzir mais riqueza econômica. Por outro lado, sem que o ser humano encontrasse um meio de adiar a própria morte, os níveis de crescimento econômico tenderiam a permanecer estáveis e, havendo (pelo menos num momento inicial) mais gente para dividir uma quantidade constante de riqueza, em pouco tempo aquele aumento da natalidade tenderia novamente ao desaparecimento. Em poucas palavras: caso quisessem aproveitar o momento favorável para criar reais condições de crescimento e de expansão de seus domínios políticos, econômicos e territoriais, os países de então não mais poderiam continuar tolerando e convivendo com a baixa expectativa de vida de suas populações. Era necessário, de alguma maneira, prolongar a existência humana ao máximo possível.
Algo precisava ser feito e, àquela altura, a Química já era uma ciência bastante evoluída e que não cessava de apresentar avanços; o grande problema, entretanto, é que ainda não havia meios para se tornarem públicos os benefícios decorrentes daqueles avanços. Via de regra, as descobertas dos laboratórios ficavam confinadas apenas a quatro paredes, beneficiando apenas a vida de muito poucas pessoas - na verdade, a maioria dos medicamentos da época ainda era caseira e de fabricação artesanal, feita apenas para contribuir com o tratamento das enfermidades de familiares.
Essa situação aflitiva permaneceu até 13 de março de 1877, quando a John Wyeth & Brother finalmente registrou, nos Estados Unidos, a patente da criação do comprimido (curiosamente, a invenção da Wyeth só foi possível graças a uma outra invenção, feita em 1843 pelo artista plástico inglês William Brockedon: tratava-se de uma pequena máquina manual, cuja finalidade era apenas fabricar minas de grafite de melhor qualidade para os lápis de desenho do próprio Brockedon. Ao tomar conhecimento da existência dessa máquina, um funcionário da John Wyeth & Brother imediatamente imaginou utilizá-la para dar aos remédios a forma de pequenos tabletes chamados “compressed tablets”, hoje conhecidos por nós como “comprimidos”).

Figura 1. A máquina de Brockedon.

Oficialmente, a entrada em cena da máquina de Brockedon representou um grande divisor de águas e o marco inaugural da indústria farmacêutica mundial; foi, de fato, o ponto de partida para que os medicamentos pudessem ser produzidos em grande escala e amplamente distribuídos às pessoas. Pelo menos em princípio, foram resolvidos aqueles problemas mais imediatos relativos aos cuidados com a saúde e à necessidade de elevação da expectativa de vida da população. Depois de toda a evolução experimentada pela indústria farmacêutica durante o transcorrer do breve século 20, eis que chegamos ao século 21 diante de um cenário mundial caracterizado muito nitidamente pela existência de dois grupos principais de companhias fabricantes de remédios: os grandes laboratórios (todos originários do século 19 e detentores da grande maioria das patentes dos fármacos inovadores) e as chamadas “empresas emergentes”, especializadas na fabricação de fármacos com patente vencida (popularmente chamados de “genéricos”).

Alguns assuntos citados neste post serão explorados nas próximas publicações, o primeiro ponto pacífico é partir do pressuposto que talvez as opiniões aqui expostas não consigam traduzir com exatidão e justiça o que realmente desejam e almejam as indústrias farmacêuticas, no entanto a intenção é exatamente fomentar discussão sobre o assunto a partir das interrogações que ele apresenta.

Fonte: http://periodicos.uniban.br/index.php?journal=RPINF&page=article&op=viewFile&path%5B%5D=68&path%5B%5D=pdf4

7 comentários:

  1. A indústria farmacêutica é algo que desperta polêmica em muitos sentidos. Como o próprio texto do blog já mostra, foi uma indústria que surgiu com objetivos econômicos em sua maioria, já que os países queriam aumentar seus domínios econômicos, políticos e territoriais ao aumentar a expectativa de vida das pessoas. A medicina e os conhecimentos químicos sobre a fisiologia e o metabolismo do corpo humano acabaram inspirando a criação de medicamentos que geralmente são mais rentáveis do que comprometidos com a saúde do corpo em geral. Outro ponto que poderia ser discutido posteriormente aqui é que para um remédio resolver um problema sempre acabam comprometendo outra parte do corpo já que o organismo é um todo e isso incentiva a criação de outros remédios para amenizar os problemas. Isso faz a ciência avançar, mas o avanço acentua as desigualdades sociais. Enfim, aguardei novas postagens sobre o tema.

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  2. Gostei muito da retomada histórica sobre as indústrias farmacêuticas, principalmente na parte da mudança do caráter predominantemente artesanal dos remédios para a sua transformação em algo de escala industrial. O tema do blog é bastante polêmico, principalmente se levarmos em conta a atual discussão sobre a "medicalização" da sociedade, onde qualquer simples dor de cabeça se torna motivo para a ingestão indiscriminada (e muitas vezes desnecessária) de remédios. Além disso também geram polêmicas os custos exacerbados dos medicamentos, que originam questionamentos inevitáveis sobre a ganância e ambição excessivas das poderosas indústrias farmacêuticas. Espero novas postagens para discutirmos melhor o tema!

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  3. Achei bastante interessante sua introdução ao falar sobre o processo de surgimento das indústrias farmacêuticas e ao mostrar seu principal objetivo: o lucro. Tornando-se algo bem contraditório, já que elas deveriam visar a saúde da população e não transformá-la em mercadoria. No entanto, não é algo a se estranhar, já que vivemos em uma sociedade capitalista que só almejam o poderio econômico, politico e territorial. Isso dá lugar à existência das chamadas doenças negligenciadas. Estas que afetam principalmente a população mais pobre dos países em desenvolvimento, que não pode pagar altos preços pelos remédios de que necessita. Assim, a indústria privilegia os investimentos na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para doenças que afetam a população mais rica - mais concentrada nos países desenvolvidos - que pode pagar e garantir o retorno dos investimentos. Também é importante ressaltar que essas empresas não dão atenção que deveriam à produção de fármacos que curam, já que estes não são rentáveis. A elas interessa desenvolver medicamentos cronificadores das doenças, que não curam de todo e devem ser consumidos de forma serializada, de modo que o paciente experimente uma melhora que desapareça quando deixar de tomar o medicamento. Gostei muito da sua abordagem sobre o tema e aguardo ansiosamente novas postagens!!!

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  4. Surgidas em um período de crescimento populacional, e estabilidade política, na esteira da segunda revolução industrial, com o intuito de aumentar a expectativa de vida dos homens, e, consequentemente, o tempo que poderia ser destinado à produção industrial e o o acúmulo de riquezas, (ocasionando assim, a expansão dos domínios econômicos, políticos e territoriais das nações), as indústrias farmacêuticas levantam, como muito bem demonstrou o texto, diversos questionamentos, que dependendo do avaliador, podem assumir diferentes respostas, mas que se centram em um único ponto: O que são essas indústrias e qual o papel que as mesmas representam no mundo atual. O interessante dessa questão, é o fato de que as mesmas indústrias, que para muitos, trabalham pela saúde da humanidade, são as mesmas que centram os seus trabalhos e pesquisas em remédios e doenças que atenderão tão somente os mais ricos. Um exemplo claro disso, é o que se vê nas pesquisas atuais sobre o Ebola, que só foram iniciadas recentemente, mesmo que os surtos venham matando milhares de africanos desde a década de 70. Tal fato, nos traz a questão de que tais indústrias talvez sirvam muito mais ao dinheiro que à saúde ou a sociedade em geral. No que diz respeito ao lado bioquímico, o blog trouxe o tema dos genéricos que são aqueles medicamentos que contém o mesmo fármaco (princípio ativo), na mesma dose e forma farmacêutica, é administrado pela mesma via, com a mesma indicação terapêutica e a mesma segurança do medicamento de referência ou inovador. Sobre esse tema, muitas discussões já foram feitas, começando na década de 70 e culminando durante a década de 90, com a aprovação da Lei 9.787/99, de 10/2/99, onde foram criadas as condições para a implantação de medicamentos genéricos.
    Aguardo novas publicações sobre o assunto, ansiosamente.

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  5. A abordagem do histórico da indústria farmacêutica foi bastante informativo, especialmente sobre a utilização da máquina de Brockedon para a produção de comprimidos, o que viria a possibilitar a produção mais sistemática de medicamentos, atingindo um maior contingente de pessoas. Isso, porque os comprimidos têm como algumas de suas vantagens a boa estabilidade físico-quimica (especialmente quando comparados a formas farmacêuticas líquidas), a maior precisão de dosagem por unidade tomada, a facilidade de mascarar características organolépticas (odor, sabor) desagradáveis, além da facilidade de preparo, manuseio e transporte. Ademais, a introdução à polêmica acerca da indústria farmacêutica feita no texto é um assunto que traz à tona várias questões. Uma delas é a “mercadorização” dos remédios, que deveriam ser produzidos para o bem da população e para sanar as doenças. Ao invés disso, vê-se um atendimento à demanda daqueles que possuem mais capital, ao pesquisar-se e produzir-se focando os problemas destes, negligenciando-se assim as doenças daqueles mais necessitados, como as verminoses. Estas são poucos pesquisadas, já que quase não afetam pessoas de classe mais alta. Outra questão nesse âmbito é o papel do médico no mercado de remédios. Incentivados financeiramente a vender medicamentos que nem sempre têm sua eficácia comprovada, é necessário que os mesmos avaliem se realmente há necessidade de prescrição de tantos remédios ou se é apenas uma aceitação das vontades da indústria farmacêutica.

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  6. A evolução da industria farmacêutica ocorreu a partir do grande crescimento populacional em contraponto da baixa expectativa de vida mundialmente. Tal situação propiciou o surgimento e desenvolvimento dos primeiros medicamentos, que tinham como meta, menos a questão da saúde pessoal, e mais a preocupação econômica, baseada no princípio de que quanto mais cedo se morre, menos riquezas se produzem, como foi muito bem explicado no post. E tal conotação ainda está muito enraizada na indústria farmacêutica atualmente, visto que o desenvolvimento e comercialização dos medicamentos tem como princípio fundamental o lucro, substituindo ''o que é necessário'' pelo que tiver demanda maior, e consequentemente, gerar maior riqueza. Concluindo, a indústria farmacêutica está diretamente ligada à dinâmica capitalista, orientada na concepção de que o desenvolvimento e o mercado de medicamentos estão submetidos ao princípio do que tiver um maior custo-benefício, tendo como base o lucro.

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  7. Interessante o pensamento geopolítico presente no surgimento da indústria farmacêutica. Apesar do "atender à população" ser um interesse secundário da indústria, é fato que pôde aumentar a expectativa de vida e melhorar condições de vida. No Brasil, o Estado foi responsável por incentivá-la e contribuir para a formação dos primeiros pesquisadores. A produção de medicamentos tornava-se necessária devido ao fluxo imigratório da época.

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