Elas são pouco comentadas ao redor do mundo, apesar de serem conhecidas há muito tempo. Elas causam um enorme sofrimento, mas passam quase que por invisíveis, tanto por se encontrarem presentes nos ambientes pobres das áreas rurais e favelas urbanas, quanto por afetarem populações consideradas irrelevantes – afetando profundamente física, sócio e economicamente a vida de mais de um bilhão de pessoas e, clamando entre essas, mais de meio milhão todos os anos.
Por todas essas razões, elas foram classificadas como Doenças Tropicais Negligenciadas, ou apenas doenças negligenciadas. Existem 17 delas, com suas transmissões variando de bactérias, parasitas e infecções virais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 149 países e territórios onde elas são endêmicas. Algumas das doenças são transmitidas tanto por vetores (insetos), como a doença de Chagas, a malária, leishmaniose e a dengue, quanto de pessoa para pessoa, como tuberculose e hanseníase .E é exatamente pelo fato de que os impactos dessas doenças, que afetam tantas pessoas e, ainda assim continuam tão ignoradas, que dá essas doenças – e seus pacientes – o status de “negligenciadas”; termo originalmente proposto na década de 1970 por um programa da Fundação Rockefeller como “The great neglected diseases”. Segundo Lúcia Brum, médica brasileira e consultora em doenças emergentes pelos Médicos Sem Fronteiras (MSF) no escritório do Rio de Janeiro, a principal razão para isso é a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento de drogas que poderiam melhorar a situações dos afetados: “As companhias farmacêuticas trabalham segundo a lógica de mercado, não pelos critérios da necessidade da população.”
Lógica de mercado. Essa, de fato, parece competir contra as próprias doenças, pelo posto de grande “inimigo” das populações pobres que sofrem com as doenças negligenciadas. Uma amostra sobre a “lógica de mercado” das companhias farmacêuticas pôde ser observado recentemente com a fala do executivo chefe da Bayer, Marijn Dekkers: “Nós não desenvolvemos este produto para o mercado indiano, sejamos honestos. Nós desenvolvemos este produto para os pacientes do Ocidente que podem pagar por ele”. O produto no caso era o Nexavar, para o tratamento de câncer avançado do rim e do fígado.
São consideradas “doenças
negligenciadas” as enfermidades caracterizadas por incidirem
(principalmente) em regiões tropicais, por serem mortais ou muito graves e
afetarem um país ou região de maneira endêmica, e pelo fato das opções
para o seu tratamento não existirem, serem inadequadas (podendo inclusive
ser tóxicas) ou ultrapassadas e com pouca eficácia. Em geral estas
enfermidades não recebem atenção dos grandes laboratórios farmacêuticos no
que se refere à pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos,
porque estão presentes e vitimam as populações das regiões mais pobres do
planeta e dessa maneira se tornam um grande problema na área da saúde
pública desses lugares.
O problema
representado pelas doenças negligenciadas se tornou mais evidente
nos últimos 40 anos, com o grande avanço e desenvolvimento tecnológico, o
que gerou um grande conhecimento acumulado na área da medicina, mas deixou
várias populações à margem de seus feitos, sofrendo com enfermidades que
não recebem quase investimento por parte da indústria farmacêutica no
tocante às questões de pesquisa e desenvolvimento de novas drogas. De acordo
com a pesquisa realizada pelo Instituto George para a Saúde Internacional com
apoio da Fundação Bill & Melinda Gates que analisou e quantificou os
investimentos em inovação e pesquisas para o combate às doenças negligenciadas,
usando dados referentes ao ano de 2007, apenas 9% dos recursos globais
para pesquisa e desenvolvimento na área de doenças negligenciadas foram
providos pela indústria farmacêutica privada, quase todo o investimento nessa
área vem de instituições filantrópicas e sem fins lucrativos (21,5%), e de
instituições governamentais e públicas (69,5%) que não conseguem, na maioria
das vezes, manterem esses investimentos ao longo dos anos.
Muitos autores
que trabalham com o tema da saúde pública e o problema das doenças negligenciadas
alegam que um fator que agrava essa situação é o regime de patentes (falaremos posteriormente
sobre leis de patente) estabelecido internacionalmente desde o final do século
XIX, e que atualmente é regulamentado (mundialmente) pelo Acordo TRIPS, que
proporciona grandes vantagens econômicas para os laboratórios que produzem
medicamentos protegidos por essa legislação, e estes preferem investir em
medicamentos para doenças presentes nos países onde as pessoas têm condições de
pagar por eles, pois para as populações de regiões e nações pobres a maioria das
pessoas não tem condições de comprá-los e assim os possíveis medicamentos que
fossem produzidos poderiam ser alvo das flexibilidades contidas no regime de
patentes, como a licença compulsória, pelas quais um país consegue uma licença
para produzir uma versão genérica do medicamento para distribuir à população
sem condições próprias de comprá-lo.
Além desse
aspecto, a regra de patentes influencia e dificulta a resolução de outros problemas
presentes no âmbito da saúde pública e um exemplo disso é que desde 1999 a organização
humanitária Médicos sem Fronteiras (MSF), reconhecida internacionalmente por levar
assistência médica às regiões mais pobres do planeta, desenvolve uma iniciativa
intitulada “Campanha de acesso a medicamentos essenciais”, surgida da
necessidade encontrada por essa entidade no seu trabalho cotidiano em países
pobres, sobretudo na África.
Com frequência
a MSF encontra dificuldade em tratar de seus pacientes por causa dos altos custos
dos remédios. Esta mesma realidade também prejudica diversos países pobres ou
em desenvolvimento quando se trata de seus programas nacionais de distribuição
de medicamentos que envolvem drogas protegidas por patentes e com alto preço,
como os medicamentos usados no tratamento da AIDS, que apesar de não ser
considerada uma doença negligenciada, representa um grande problema na área de saúde
pública de muitos países pobres (principalmente os situados no continente
africano), por vitimar grande parte da população (MSF, 2005).
Após a
completa implementação do acordo TRIPS em janeiro de 2005 pela Índia e pelos
poucos outros países em desenvolvimento que ainda não concediam patentes farmacêuticas,
o acesso a novos medicamentos com preços acessíveis tornou-se ainda mais difícil,
uma vez que todos os novos medicamentos estão sujeitos a 20 anos de proteção patentearia
em todos os países, com exceção dos extremamente pobres e daqueles que não são membros
da OMC (Organização Mundial do Comércio). Com isso, muitos países pobres ou em
desenvolvimento veem agravados os seus problemas na área da saúde, devido à
falta de fármacos específicos para as doenças negligenciadas e com a
dificuldade de acesso aos medicamentos que tratam das doenças em geral. Segundo
a Organização Mundial de Saúde (OMS), um terço da população mundial não tem acesso
regular a medicamentos essenciais, sendo que em partes da África e da Índia, 50%
da população carece de acesso aos medicamentos essenciais mais básicos, que são
aqueles utilizados no tratamento de enfermidades que atingem o mundo em geral,
mas que se tornam inacessíveis para sua sociedade, devido ao seu preço porque a
população não tem possibilidade financeira própria de adquiri-los e os governos
não têm condição financeira de manter um programa público de compra e
distribuição.
Considerando
esse cenário, foi criada a iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas
(DNDi, sigla em inglês). Quando a MSF foi laureada com o Prêmio Nobel da Paz,
em 1999, ela destinou os recursos recebidos para o desenvolvimento de um modelo
alternativo de P&D de novos medicamentos para tratar as doenças
negligenciadas, o DNDi.
Arquitetada
para reduzir os custos nesse desenvolvimento e garantir o acesso aos pacientes,
o DNDi funciona como uma coalizão de sete instituições de diferentes
países: a Fundação Oswaldo Cruz do
Brasil, o Conselho Indiano de Pesquisa Médica da Índia, o Instituto de
Pesquisas Médicas do Quênia, o Ministério da Saúde da Malásia, Instituto
Pasteur da França e a organização internacional dedicada à pesquisa – o
Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR), além
da própria MSF. Ela está sediada em Genebra, no entanto, a organização também
está presente com escritórios regionais em quatro países que podem ser
considerados como estando na linha de frente no combate às doenças
negligenciadas: Quênia, Malásia, Índia e Brasil. Por sinal, estes dois últimos
são aqueles que têm mais a contribuir com a melhora no quadro.
O
principal objetivo da organização é fornecer de seis a oito novos tratamentos
que atendam às necessidades dos pacientes. Como objetivo secundário, a DNDi se
esforça para utilizar e fortalecer a capacidade de pesquisa existente nos
países endêmicos, bem como conscientizar a opinião pública e despertar maior
responsabilidade dos governos sobre a necessidade de desenvolver novos
tratamentos para as doenças negligenciadas.
Para
finalizar, é importante ressaltar que a negligência em relação a estas doenças
é estimulada pela lógica do mercado que direciona as estratégias de
investimentos destas indústrias farmacêuticas. Como consequência, as populações
situadas nas regiões mais pobres do planeta não possuem meios para combater os
males que afligem sua saúde, por não representarem um mercado atraente (por
causa do seu baixo poder aquisitivo) para as perspectivas de lucro desse setor.
FONTE: http://portal.fclar.unesp.br/possoc/teses/Jose_Flavio_Castro.pdf
http://www.finep.gov.br/imprensa/revista/edicao6/inovacao_em_pauta_6_doencas_negl.pdf
FONTE: http://portal.fclar.unesp.br/possoc/teses/Jose_Flavio_Castro.pdf
http://www.finep.gov.br/imprensa/revista/edicao6/inovacao_em_pauta_6_doencas_negl.pdf
As doenças negligenciadas afetam predominantemente as populações mais pobres e vulneráveis e contribuem para a perpetuação dos ciclos de pobreza, desigualdade e exclusão social, devido principalmente a seu impacto na saúde infantil, na redução da produtividade da população trabalhadora e na promoção do estigma social. Essas doenças são assim denominadas porque os investimentos em pesquisa geralmente não revertem em desenvolvimento e ampliação de acesso a novos medicamentos, testes diagnósticos, vacinas e outras tecnologias para sua prevenção e controle. O problema é particularmente grave em relação à disponibilidade de medicamentos, já que as atividades de pesquisa e desenvolvimento das indústrias farmacêuticas são principalmente orientadas pelo lucro, e o retorno financeiro exigido dificilmente seria alcançado no caso de doenças que atingem populações marginalizadas, de baixa renda e pouca influência política, localizadas, majoritariamente, nos países em desenvolvimento.Um aspecto adicional que contribui para a manutenção dessa situação diz respeito à baixa prioridade recebida por essas doenças no âmbito das políticas e dos serviços de saúde.
ResponderExcluirO tema proposto pelo blog esta semana é interessantíssimo e reflete a triste realidade do mundo atual, em que muitas pessoas morrem à míngua da indústria farmacêutica, que de forma fria, fecha os olhos às doenças ditas negligenciadas, (denominação essa proposta recentemente pela OMS e pela organização Médicos Sem Fronteiras), que se referem àquelas enfermidades, geralmente transmissíveis, que apresentam maior ocorrência nos países em desenvolvimento e não são alvo de investimentos e grandes pesquisas, como Leishmanioses, doença de Chagas (DC), tracoma, hanseníase e malária, além de diversas parasitoses. Dada a importância do combate a estas doenças, é importante notar que, apesar do trabalho feito em vista da elevada ocorrência das doenças negligenciadas no Brasil, os gastos do Ministério da Saúde (MS) com medicamentos para os programas de assistência farmacêutica das destas doenças são pequenos em relação ao gasto com outros programas, como o da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), o que reflete a falta destes medicamentos no mercado, e que por serem sujeitos à patentes, acabam tornando-se mais caros. Por outro lado, o Brasil é um dos países em desenvolvimento que mais investe recursos em estudos de novas formas de tratamento neste sentido. Aguardo ansiosamente novas postagens sobre o assunto.
ResponderExcluirReferências:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=8064
Doenças causadas por agentes infecciosos e parasitários, como Doença de Chagas, Doença do Sono, Leishmanioses, Malária, Febre Amarela, Tuberculose, entre outros, entram na categoria de doenças negligenciadas. Essas doenças são mais comuns em regiões com menor concentração de riquezas, o que causa o desinteresse da indústria farmacêutica.
ResponderExcluirComo foi bem citado, o regime de patentes dificulta ainda mais uma mudança de posição e dificulta a atuação da MSF.
No Brasil, as doenças negligenciadas também sofrem com uma disponibilidade de recursos muito aquém do necessário ao seu combate. Nesse sentido, é um desafio para a comunidade científica brasileira criar meios de se diagnosticar, tratar e superar tais doenças com os orçamentos destinados ao setor.
FONTE
http://www.abc.org.br/rubrique.php3?id_rubrique=92
É revoltante o fato de que economia de mercado continua causando a exclusão da população mais carente de todas as formas possíveis, inclusive no que diz respeito à saúde, que deveria ser um direito inalienável para todo o mundo. Também é triste perceber que doenças como ebola e AIDS só passaram a ter investimento na busca de sua cura quando ameaçaram afetar o mundo desenvolvido, e que pode pagar pelos remédios criados. Assim, é louvável a iniciativa do DNDi na busca de tratamentos para as doenças negligenciadas. Contudo, essa organização ainda pode crescer, principalmente a partir do apoio de governos locais e instituições filantrópicas, colaborando com instituições de ensino superior na busca de tratamentos que possam ajudar a população mais carente, de forma a quebrar esse ciclo de exclusão.
ResponderExcluirNo atual sistema capitalista, fica mais do que claro que o objetivo principal de todas as indústrias é o lucro. Estando a indústria farmacêutica incluída neste grupo, ela também visa o lucro e não, como se esperaria, a cura das doenças. É, na realidade, favorável à mesma que haja grande número de pessoas doente, pois é daí que surge a oportunidade do lucro. Assim, as doenças citadas no texto são negligenciadas pelo fato de afetarem pessoas ou populações com pouco poder aquisitivo e que não proporcionariam logro para essas empresas. Para elas, de nada vale investir milhares de dólares ou reais em pesquisas para medicamentos que visem essas doenças que afetam, em sua maioria, pessoas de classe econômica mais baixa, pois as mesmas não teriam capital suficiente para compensar o que foi investido e ainda proporcionar lucro para a indústria farmacêutica. É notada a necessidade do incentivo a essas pesquisas, para que se erradique as doenças negligenciadas.
ResponderExcluirMuito interessante abordar esse assunto, pois mostra o quão a indústria farmacêutica deixa de lado doenças que já mataram milhares de pessoas, isso porque essas empresas só visam o luccro, e como são doenças que acometem pessoas de baixa renda, não serão rentáveispara elas. Essas doenças são chamadas de negligenciadas, pois são causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas nas populações pobres. Essas enfermidades também apresentam indicadores inaceitáveis e investimentos reduzidos em pesquisas, produção de medicamentos e em seu controle. Exemplos delas são a Leishmaniose, Doença de Chagas, Tracoma, Hanseníase, Malária, entre outras.
ResponderExcluirComo esses medicamentos tem poucos investimentos, a falta deles é muito grande, e a procura muitas vezes alta e por serem sujeitos à patentes, acaba encarecendo o preço desses produtos, dificultando mais ainda o acesso da população a eles. Logo, é muito importante investir em recursos para esses remédios e principalmente em outros tratamentos que também sejam eficazes no combate a doença. Espero novas postagens!
Isso demonstra que as
ResponderExcluirIsso demonstra que a indústria trabalha com foco no lucro, o que é compreensível, pois a esmagadora maioria dos médicos faz o mesmo em menor escala. Enquanto as doenças tropicais atingirem os que não podem pagar, isso vai ocorrer sempre. O estado e a sociedade organizada são os atores mais envolvidos na luta contra essas doenças através de seus institutos e universidades, com resultados positivos, embora limitados devido a falta de recursos materiais e humanos à altura da demanda existente. Isso explica os dados a seguir: dos 1535 medicamentos desenvolvidos entre os anos de 1975 até 2004, somente 1,3% foram destinados ao tratamento das doenças negligenciadas. Estudo recente também revela que esse setor recebeu apenas 5% de todo investimento destinado para desenvolvimento tecnológico e cobertura das ações contra agravos à saúde. Pelo visto a lógica de mercado vai continuar produzindo injustiças.