Como qualquer outro setor da economia, a indústria farmacêutica visa o lucro. Nada de errado com isso, e tem dado certo: em 2008, ela movimentou US$ 725 bilhões - o Brasil faturou US$ 12 bilhões. Só a fabricação da aspirina movimenta US$ 700 bilhões por ano. Seu princípio ativo, o ácido acetilsalicílico, é considerado um dos produtos mais bem-sucedidos da história do capitalismo.
Para que isso seja possível, é preciso saber vender. "A indústria farmacêutica é tudo, menos uma instituição filantrópica", diz Fernando Italiani, autor do livro Marketing Farmacêutico. Fernando já foi gerente de marketing de laboratórios e hoje dá cursos de vendas e planejamento estratégico para funcionários de laboratórios e farmácias.
Um dos tópicos-chave de suas aulas é a fidelização dos médicos. Para Fernando, aquela tática clássica de dar brindes, viagens e inscrições em congressos já está ultrapassada. "Os médicos estão mal-acostumados. Isso já não diferencia nenhum laboratório", afirma. Fernando propõe investir em educação. "Muitos médicos não têm formação em gestão nem em finanças. Fornecer esse conhecimento é ouro. Quando eu percebi que uma viagem para a Costa do Sauípe não tinha dado certo, fiz eventos focando o conhecimento técnico. Gastei 1/3 do valor e tive o dobro do retorno." É o que Fernando chama de marketing "sustentável": mais difícil de ser copiado e com resultado garantido e prolongado.
Os produtos da indústria farmacêutica são especialmente difíceis e caros de ser fabricados. Até um remédio chegar à farmácia, são consumidos cerca de 15 anos com pesquisa e um investimento quase 3 vezes maior que a média da indústria, segundo estudo publicado na revista Nature em 2005. É o que se chama de negócio de alto risco: de 10 mil compostos que entram para ser pesquisados, apenas um é comercializado.
Para não perder mercado, os grandes fabricantes de remédios passaram a produzir também os seus genéricos. Assim, saem na frente dos concorrentes e economizam na hora de promover seu produto. Lembra do homem da maleta? Ele aproveita a visita ao médico para falar também dos genéricos da sua empresa. "Nós fazemos um trabalho de fortalecimento da marca que não foca no medicamento especificamente, mas na instituição. Investimos na exposição da marca, para que ela fique na cabeça do médico", diz Telma Salles, diretora de relações externas do laboratório EMS.
Para ter uma ideia, de 30 a 40% de tudo o que se ganha com a venda de remédios é reinvestido em ações de marketing, a maioria destinada à classe médica. Além de conquistar a simpatia dos doutores, os representantes procuram identificar os formadores de opinião e convidá-los para dar palestras aos seus colegas falando sobre a eficácia de um novo produto.
Em 2007, o jornal The New York Times publicou um depoimento do médico Daniel Carlat contando sua experiência como garoto-propaganda de um laboratório. No ano de 2001, Carlat, psiquiatra e professor da Universidade de Boston, recebeu uma proposta da Wyeth, uma das 10 maiores indústrias farmacêuticas do mundo: discutir com médicos de sua cidade o efeito do Effexor XR, um novo antidepressivo da companhia. Ele ganharia US$ 750 por apresentação. Carlat já havia prescrito o remédio para alguns pacientes e sua avaliação era de que ele funcionava igual a outros da mesma categoria.
Decidiu aceitar a proposta e viajou - tudo pago - para um encontro de treinamento em Nova York. No hotel, recebeu um folder do encontro, convites para vários jantares e dois ingressos para um musical da Broadway. Ao voltar para Boston, apresentou o remédio durante um ano para médicos em clínicas e hospitais·
Durante esse período, Carlat aumentou em mais de 20% sua renda anual. Sentia-se muito à vontade para defender o Effexor, até que teve acesso a dados de pesquisas que mostravam uma incidência comparativamente alta de hipertensão em pessoas tratadas com a droga. Foi quando ele parou para pensar: quantos pacientes haviam sido prejudicados por sua causa?
Os conselhos de medicina acreditam que esse drama de consciência pode ser evitado se o médico manifestar o conflito de interesse antes de cada apresentação. Em outras palavras, avisar à plateia se ele ou o estudo é financiado por algum laboratório. "Isso é fundamental para uma interpretação crítica de qualquer estudo", afirma Reynaldo Ayer, da Comissão de Ética do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Só não está determinado o que fazer em relação ao paciente. Você já foi informado por algum médico de que ele recebe para divulgar entre colegas o remédio que está receitando para você? Ou que recebeu uma viagem de presente do fabricante? E, se fosse, continuaria acreditando nele?
Conflitos desse tipo estão presentes também entre pesquisadores, que podem ganhar centenas de milhares de dólares por ano para conduzir estudos e prestar consultoria para a indústria. Revistas e jornais científicos procuram garantir sua credibilidade acrescentando no início do estudo o nome do laboratório patrocinador, mas entendem que não dá para prescindir da grana dos laboratórios em um processo de pesquisa. "Eles são uma fonte de recursos indispensável", diz Florentino Cardoso, da Associação Médica Brasileira. Até aí, tudo bem. Só não vale omitir dados importantes, como os efeitos colaterais de um princípio ativo, para favorecer o lançamento de um produto. Foi o que aconteceu no caso do antidepressivo Paxil. Em 2004, a Glaxo Smith Kline foi processada nos EUA por não publicar informações que demonstravam que o remédio aumentava a ocorrência de pensamentos suicidas em pacientes com menos de 18 anos. Os fabricantes sabiam disso desde 1998.
Tanto esforço destinado aos médicos tem uma explicação muito simples: a maior parte dos remédios não pode ser anunciada diretamente a você. No Brasil, a propaganda de medicamentos possui uma legislação mais rigorosa que a de outros produtos. Só os medicamentos de venda livre, como analgésicos e ácidos para indigestão, podem ser comercializados sem prescrição médica e anunciados ao consumidor. Esses remédios são responsáveis por cerca de 30% do faturamento da indústria no Brasil. Os outros 70% vêm dos "medicamentos éticos", aqueles com a advertência "Venda sob prescrição médica" e que só podem ser anunciados para os médicos.
Para o público leigo, os laboratórios usavam estratégias menos diretas, como investir na campanha sobre uma determinada doença para aumentar a demanda por medicamentos (campanhas sobre impotência, depressão, obesidade ou diabete), mas esse tipo de propaganda foi proibida pela Anvisa no ano passado. Resta usar as técnicas de marketing para tornar a imagem de um remédio mais atraente. Como aconteceu com o Prozac nos anos 80. A pílula trazia um novo princípio ativo para o combate da depressão, é verdade. Mas essa não é a única explicação do seu sucesso: depois de contratar uma agência de imagem, o laboratório Eli Lilly decidiu dar um nome de fantasia ao produto - algo sonoro, que caísse bem em qualquer língua. Parece bobagem, mas até então a maior parte dos medicamentos tinha nomes derivados dos princípios ativos, difíceis de memorizar e associados a efeitos colaterais. A chegada de Prozac transformou o batizado de um remédio em um estudo complexo: Viagra, por exemplo, é composto de "Vi", de vitalidade, e "agara", de Niagara falls, que remete a força descomunal, volume de águas incontrolável e ininterrupto, características desejadas por pacientes com disfunção erétil.
Some ao marketing o aumento do acesso ao sistema de saúde e o resultado é claro: a gente nunca tomou tanto remédio. E isso é bom. "As vacinas e os medicamentos são os principais responsáveis pelo prolongamento da nossa vida", diz Anthony Wong. Mas também há outra notícia: a gente nunca tomou tanto remédio sem precisar. A OMS estima que metade do consumo mundial é feito de forma irracional, ou seja, em dose, tempo ou custo maior que o necessário. Na lista das possíveis causas estão incluídas políticas de preços e atividades promocionais irregulares e falta de informação e educação sobre o uso correto de medicamentos.
É injusto, porém, colocar a culpa só nos laboratórios. "O aumento no consumo de medicamentos é um problema sociológico. Hoje, as pessoas buscam soluções imediatas para tudo, tendo como objetivo a felicidade", diz Wong. "E não há nada mais imediato do que um remédio."
Misturando tantos fatores de risco, uma dor de cabeça vira uma enxaqueca das bravas, bem difícil de tratar. Mas algumas iniciativas têm sido tomadas para melhorar esse prognóstico. Uma delas é a participação ativa das empresas na revisão do código que regulamenta a publicidade do setor, ao lado da Anvisa e dos Conselhos de Medicina e de Farmácia. Outra é o aumento do número de laboratórios envolvidos em ações sustentáveis e em campanhas preventivas. É um comprimidinho da receita. Pra engolir os outros é preciso uma dose de prudência e bom senso. Ou você pode se intoxicar.
-338 multas foram aplicadas pela Anvisa em 2007 como punição a propagandas ilegais de medicamentos.
-0,06 do montante investido em marketing pelas indústrias farmacêuticas em 2006 seria suficiente para pagar a punição.
Os métodos utilizados pela indústria farmacêutica para vender seus produtos/remédios através dos médicos são realmente objetos de longa discussão. Afinal de contas, é realmente difícil acreditar em um médico, no seu diagnóstico e nos remédios receitados por ele quando há a possibilidade de que ele esteja recomendando remédios pensando apenas nos benefícios que irá receber das grandes indústrias para isso, e não no bem estar do paciente. Além disso, ainda há o perigo dos efeitos colaterais desses remédios (como o caso de hipertensão citado no texto), que põe em xeque a ética médica e a classe como um todo. Vale acrescentar também o depoimento do prêmio Nobel em Medicina, Richard J. Roberts, em entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia: "(...) as empresas farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas em curar as pessoas como em sacar-lhes dinheiro e, por isso, a investigação, de repente, é desviada para a descoberta de medicamentos que não curam totalmente, mas que tornam crônica a doença e fazem sentir uma melhoria que desaparece quando se deixa de tomar a medicação" . Essa acusação, bastante grave, gera várias discussões, acerca da indústria farmacêutica e da própria dependência de remédios por parte da sociedade atual. Espero que possamos discutir mais sobre isso nos próximos posts!
ResponderExcluirO pensamento puramente capitalista da indústria farmacêutica mudou muitos conceitos relacionados a saúde em nossa sociedade. Muitos acreditam na ideia que medico bom é aquele que passa remédios, gastam pequenas fortunas todo mês com remédios que viciam ou que nunca irão tratar a doença, só abrandarão o sintoma que vai voltar quando aquela droga parar de ser ingerida, fazendo que se comprem outras caixas daquela medicação. Legal o blog tratar desses pontos.
ResponderExcluirOutra coisa a ser salientada é que as doenças dos países pobres são negligenciadas pela indústria farmacêutica, um estudo da revista cientifica The Lancet publicado no Estadão afirma que apenas 4% dos medicamentos produzidos eram destinados à chamadas doenças negligenciadas ( que afetam países pobres), a esmagadora maioria são nova versões de medicamentos já existentes e para doenças crônicas, que tem uso continuo e afetam países ricos, ao contrario de doenças tropicais. o vírus ebola é um exemplo, o alarde com a epidemia começou depois que houve uma ameaça aos grandes centros, mas o ebola já mata desde 74. Aguardo novas postagens sobre esse assunto, muito interessante !
Postagem bastante informativa e incitadora de discussão a respeito da indústria farmacêutica e seus modos de conseguir lucro. O método citado no texto é definitivamente um dos mais polêmicos: a associação entre médicos e empresas desse ramo. A utilização de médicos para fazerem propagandas de remédios é controversa, especialmente pois o paciente confia no médico e aceitará o que ele diz como verdade. Se um profissional indica um medicamento apenas por interesses financeiros, sem procurar saber quais os efeitos colaterais, se o mesmo realmente funciona e se ele se adapta a todas as pessoas, pode prejudicar enormemente toda a gama de pacientes desse médico. Quando se leva em consideração que a maioria dos médicos se alia a alguma empresa, levantam-se algumas questões: quantos dos remédios que são receitados são realmente efetivos e quantos são apenas ilusões que visam o lucro? Quantos desses remédios tem consequência grave para o organismo? O médico, como principal agente da saúde, deve ter senso crítico para avaliar o que prescrever. Ele deve pesquisar e se atualizar, pois apenas usar a desculpa da falta de tempo não cobre os prejuízos que o mesmo pode causar.
ResponderExcluirEmbora a propaganda de medicamentos e de outros produtos associados à saúde tenha especificidades, de maneira geral, ela tem um objetivo comum a toda e qualquer propaganda: tornar determinado produto conhecido pelas características favoráveis atribuídas por seus fabricantes e fortemente associadas ao atendimento de alguma necessidade. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina, reconhecendo os potenciais riscos de patrocínios e propagandas, emitiu Resoluções que proíbem a vinculação da prescrição médica ao recebimento de vantagens materiais oferecidas por agentes econômicos interessados na produção ou comercialização de produtos farmacêuticos ou equipamentos de uso da área médica. Tais resoluções determinam que os médicos, ao proferirem palestras ou escreverem artigos que divulguem ou promovam produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso na medicina, declarem os agentes financeiros patrocinadores, assim como a metodologia empregada nas pesquisas - quando for o caso - ou a bibliografia que serviu de base à apresentação quando esta transmitir conhecimento proveniente de fontes alheias.Conclui-se que não se justifica a auto-regulamentação da propaganda de medicamentos e que existem evidências suficientes de como o poder da indústria farmacêutica é capaz de influenciar as decisões no âmbito da relação médico-paciente, sendo a promoção e a propaganda um de seus instrumentos. Aguardo as próximas postagens!
ResponderExcluirEsta postagem foi muito interessante no sentido em que discutiu novamente, de uma forma muito clara e interessante, os temas envoltos na indústria farmacêutica, demonstrando mais especificamente, o fenômeno do aumento da medicação na população, as técnicas de venda de alguns medicamentos, e como acontece a proposta de novos remédios aos médicos, assim como as implicações que tal fato pode ter. Os remédios, no Brasil, são regidos por regulamentos rígidos, como a RDC nº96/2008, que permite somente a regulação da publicidade àqueles que são isentos de prescrição, na medida em que também atualizou as regras para divulgação de medicamentos sob prescrição, impôs condições para a propaganda em eventos científicos, campanhas sociais, e até regras na distribuição de amostras grátis. Tais medidas políticas legislativas são importantes porque garantem que as pessoas não serão induzidas pelas propagandas, à automedicação, que pode ser perigosa e causar danos sérios à saúde e causar alterações bioquímicas diversas, como intoxicação, alergias, dependências, e, em casos extremos, a morte, mas restringe por fim, o público alvo das indústrias farmacêuticas, aos médicos, que acabam, em muitos casos, sendo comprados para prescrever certos remédios para seus pacientes, ou apoiar projetos da instituição, em troca de um bônus. Tal medida é antiética e nociva à saúde da população, que muitas das vezes, fica sujeita a remédios que tem efeitos colaterais indesejados.
ResponderExcluirReferências:
http://www.procon.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=474
http://vivomaissaudavel.com.br/saude/em-evidencia/apesar-dos-riscos-automedicacao-e-pratica-muito-comum-entre-os-brasileiros/
Os médicos são "sábios" responsáveis pela saúde de que atendem. É natural que na venda de um medicamento busque-se divulgação e apoio por médicos, criando assim uma confiança popular no medicamento. Entretanto, a cada 10 médicos 9 aprovam se venderem à indústria farmacêutica. É importante que as pessoas tenham acesso a informações do medicamento que lhes é recomendado, sabendo a origem da recomendação e seus efeitos em outros pacientes. O post foi muito informativo, apresentando a origem de muitas características da indústria farmacêutica.
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